Rangel Alves da Costa*
Casualmente, chegou-me às mãos uma cópia do Projeto de Lei nº 09/2015, que dispõe sobre a qualificação de entidades sem fins lucrativos como Organizações Sociais, encaminhado em regime de urgência pelo prefeito municipal Roberto Araújo à presidência da Câmara Municipal de Poço Redondo, na pessoa de sua presidente Maria José de Andrade Lima.
Da leitura e análise do referido projeto, o primeiro aspecto a ser observado é que o mesmo aparenta ser uma simples cópia de documento similar elaborado em outro município. Impossível chegar a outra conclusão, principalmente pelo fato de o mesmo conter dispositivos incompatíveis com a realidade legislativa e administrativa de Poço Redondo.
Prova disso está na previsão contida no parágrafo único do art. 1º e no art. 9º, afirmando que o contrato de gestão será fiscalizado pelo “Tribunal de Contas do Município”. Até que se prove o contrário, não se tem conhecimento que haja um Tribunal de Contas em Poço Redondo.
Tal aspecto, logo conduz à verificação de que não se trata de um documento legislativo original ou ajustado à realidade municipal. A aprovação de um projeto de tal ordem pela Câmara Municipal, na forma como foi proposto, é assumir o risco de um descalabro administrativo ainda maior em Poço Redondo, vez que outorga poderes para que o prefeito municipal crie organismos de administração paralela ao próprio município, e estes com recursos da própria municipalidade. E traz outras graves consequências, como adiante será demonstrado.
Quando, na justificativa, o prefeito Roberto Araújo afirma que a finalidade das Organizações Sociais é permitir que a administração municipal transfira a estas a gestão de certas atividades, dotando tais organizações de verbas orçamentárias municipais, nada mais significa que organizações paralelas à prefeitura – porém atuando com dinheiro do município - e geridas por pessoas que certamente serão escolhidas e influenciadas pelo próprio poder municipal, chamarão para si a responsabilidade pela prática de ações que não vêm sendo realizadas a contento pela gestão municipal. Contudo, o objetivo é implicitamente outro.
Há um reconhecimento explícito da ineficiência administrativa da gestão municipal. Com a desculpa de que a ineficiência terá fim com a outorga de poderes para que organizações façam aquilo que a prefeitura não faz, o que se pretende é permitir uma administração paralela. E há de se indagar: se mesmo com as verbas municipais a prefeitura age de modo tão ineficiente, que eficiência deverá ser esperada de organizações que prestarão serviços com as mesmas verbas municipais? Transferem-se apenas as responsabilidades pelo caos administrativo.
Como bem diz o referido documento legislativo no art. 14, as organizações sociais prestarão atividades com recursos municipais. Mais uma vez comprova-se que a gestão municipal irá transferir valores dos cofres públicos para que as entidades atuem. Esvazia-se de um lado e abocanha-se do outro. A prefeitura deixa de exercer suas atividades precípuas e as transfere para as organizações. E surge um problema: Diferentemente da prefeitura, as organizações sociais estão dispensadas de fazer licitação quando contratarem com recursos do município.
Quando, no art. 13, o documento legislativo diz que as organizações sociais “ficam declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os fins legais”, é precisamente para lhe permitir um tratamento jurídico diferenciado. E tal tratamento diferenciado irá beneficiar tão somente a prefeitura municipal que, atuando através da organização, ficará dispensada de fazer licitações. Quer dizer, uma porta aberta para o surgimento de fraudes, desvios e outras práticas ilegais.
Demonstrado está que as organizações atuarão como entidades paralelas à administração municipal: com servidores da prefeitura (que serão transferidos para as organizações, por ato do prefeito, porém mantendo todos os direitos de origem), com dinheiro da prefeitura, com estrutura de funcionamento providenciada pela prefeitura, com controle interno do prefeito municipal, com Secretário Municipal responsável pela Comissão de Avaliação. Quer dizer, é outra prefeitura atuando como organização social.
De modo particular, opinando apenas como advogado, pesquisador, escritor e cidadão poço-redondense, creio que a Câmara Municipal não deve ou deveria ir de encontro ao bom senso. Seria total insensatez aprovar uma lei que reconhece a ineficiência administrativa do gestor municipal e em compensação cria uma administração paralela, através das organizações sociais. Organizações estas que atuarão com as já deficientes verbas municipais, mas com o único e exclusivo objetivo de estarem dispensadas de fazer licitações.
E em Poço Redondo, quando o assunto é licitação, praticamente todos os munícipes tem conhecimento dos problemas já ocorridos. Portanto, aprovar uma lei que justamente dispensa a licitação é atitude não só perigosa como irresponsável.
Advogado, escritor, orgulhoso filho de Poço Redondo
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