Lá não tem espelho no teto, cama redonda nem música ambiente. É um lugar pouco romântico, onde a privacidade de um encontro íntimo se limita a um lençol separando beliches de alvenaria. Mas Lucas* e Ana* não se importam e, por alguns minutos, esquecem que estão dentro de uma cela no prédio anexo do Presídio Salvador.
Nada de gritos ou gemidos estridentes. Isso porque a cela em que Lucas, 24 anos, a recebe é a mesma que divide com outros quatro detentos. Ali, apenas cortinas feitas com lençóis, chamadas tihanys, separam os casais. Mesmo sem privacidade, eles se relacionam há três anos.
“Costumamos aumentar o volume da televisão para termos um pouco mais de privacidade”, diz a manicure de 38 anos, que visita Lucas, preso há cinco sob a acusação de homicídio.
Ele já estava na prisão quando a mulher com quem era casado foi assassinada. Passado esse episódio, Ana começou a visitá-lo a pedido do irmão de Lucas, de quem era amiga. Começou levando comida e documentos do filho dele com a falecida esposa. Hoje o menino é criado por Ana, junto com seus outros cinco filhos.
Dia de visita
No Presídio Salvador, as visitas íntima e social — essa última feita por pais, mães, filhos e irmãos — acontecem nos mesmos dias: as quartas e sábados no prédio principal, e as quintas e domingos no prédio anexo, ambas das 8h às 15h30.
Nessa unidade do Complexo Penitenciário da Mata Escura, onde estão 858 presos — 172 a mais do que a capacidade, apenas dois dos cinco presos que dividem a mesma cela podem receber visita íntima no espaço, segundo o major Júlio César, diretor de Segurança Prisional da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap).
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Visitantes distribuem fichas para organizar fila (Foto: Arisson Marinho)
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Quando esse número é maior, outra cela é disponibilizada para os demais casais. Os outros presos ficam no pátio, conversando com familiares ou aguardando o momento em que um agente penitenciário toque um apito, às 15h30, marcando o fim das visitas e o retorno para as celas.
Antes do apito soar, Ana lembra que um dia transava com o companheiro quando o barulho de uma confusão a assustou. Um preso agrediu a esposa após descobrir que ela tinha passado a noite em uma festa. “Ele saiu da cela e uns quinze homens foram pra bater nele. Até passei mal. Nunca tinha visto aquilo”, lembra.
Cronômetro
Na Cadeia Pública, ainda no Complexo Penitenciário, o tempo para o sexo é cronometrado. Cada casal tem apenas quarenta minutos de intimidade na unidade, onde três celas são destinadas apenas para a visita íntima e utilizadas em esquema de revezamento — uma vez por semana para cada preso.
A duração do encontro é controlada pelos agentes penitenciários, que, com batidas nas grades, sinalizam a hora de acabar. “O tempo é curto, mas não deixo de fazer nada do que eu faria se ele estivesse aqui fora”, conta a recepcionista Joana*, 23, recebida às segundas-feiras por Cleber*, 30, preso há dez meses por tráfico de drogas.
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Cela para visita íntima na Cadeia Pública (Foto: Marina Silva)
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Segundo ela, lingeries e posições inusitadas são as únicas formas de apimentar o sexo no presídio, já que produtos eróticos são proibidos no local.
Para Edmundo Reis, promotor da Vara de Execuções Penais, as visitas íntimas acontecem de formas diferentes no Presídio Salvador e na Cadeia Pública por conta da arquitetura dos prédios.
“Nas unidades mais antigas, como Presídio Salvador e o Prédio Anexo, as visitas íntimas ocorrem em locais de convivência do preso. Na Cadeia Pública, que é um prédio mais novo, as visitas são recebidas em um espaço reservado. Essas diferenças acabam por criar dois modelos de visita”, explica o promotor.
As visitas íntimas para as pessoas privadas de liberdade têm também papel importante na preservação dos vínculos familiares e afetivos. “O exercício da sexualidade é um direito fundamental. O ser humano não pode pagar pelos erros que cometeu sendo privado desse direito”, afirma Anderson Fontes, psicólogo e mestre pela Ufba em sexualidade e gênero.
Segundo Fontes, a ausência desses encontros pode desenvolver comportamentos agressivos. “O exercício da sexualidade é uma necessidade humana. A visita é importante para manutenção de vínculos, mas também para a manutenção das suas funções psíquicas”, pondera o psicólogo.
Acampamento
À véspera dos dias de visita, dezenas de mulheres formam filas em frente ao Complexo Penitenciário, onde passam a madrugada, à espera do encontro. É na fila onde começam os preparativos: passam batons e perfumes e conferem maquiagem e o esmalte.
Maiara*, 24, era sempre a número um da fila. Duas vezes por semana, montava uma barraca de camping no ponto de ônibus em frente ao Complexo, onde passava o dia e a noite que antecedia a visita, à espera do encontro com Pablo*, 29, há quatro anos aguardando julgamento por ter cometido um homicídio.
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Mulheres montam barracas em frente ao Complexo Penitenciário em véspera de dia de visita (Foto: Arisson Marinho)
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Lá dentro, sexo só depois que descansar da noite mal dormida na fila, de conversas e carícias. Após o sexo, nada de ducha ou chuveiro. Apenas um balde com água estava à disposição da dona de casa em um banheiro dentro da cela.
“Se quisesse tomar banho, tinha que pedir licença. Mas só eles [os presos] podem falar. O meu marido falava 'corredor’, aí o outro preso respondia 'corredor' — caso o banheiro estivesse livre, aí eu podia usar”, contou Maiara, que deixou de ser a primeira da fila. Pablo agora aguarda julgamento em liberdade e junto com Maiara se mudou para o interior. Enfim sós.
Modelo de revista íntima afasta familiar, alerta defensor público
Antes do esperado encontro, Ana, Maiara, Joana e todos os outros visitantes têm de passar por um momento que concordam ser o mais constrangedor: a revista íntima. “A gente tira toda a roupa, agacha três vezes, tosse, faz força. Depois elas [agentes penitenciárias] pedem pra gente abrir as partes íntimas e iluminam com uma lanterna. Depois, passam um detector de metais”, enumera Ana*.
Para o defensor público Pedro Paulo Casali, esse tipo de revista íntima, além de humilhante e vexatória, é perigosa. Segundo ele, esse modelo afasta os familiares do convívio do preso. “Nós [Defensoria Pública] ouvimos várias mulheres que relataram ter deixado de visitar seus maridos por conta da revista. Isso é perigoso porque o Estado não fornece a essas pessoas presas a assistência emocional devida, e é na família que eles encontram essa base”, diz.
No início deste ano, segundo Casali, a Defensoria Pública encaminhou à Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) um documento solicitando que detectores portáteis de metais, além de um scanner corporal, fossem adquiridos. Uma vez em uso, esses equipamentos substituirão o atual modelo de revista manual, que, de acordo com Casali, já foi trocada pela revista eletrônica em estados como Minas Gerais, Goiás e Espirito Santo. A situação está sendo mudada na Bahia, disse o major Júlio César, diretor de Segurança Prisional da Seap. Segundo ele, um novo sistema está em funcionamento no Presídio de Eunápolis. Para as unidades da capital, no entanto, não há prazo para a implantação do scanner corporal.
No Conjunto Penal Feminino, só 26 das 164 presas recebem visita
Se por parte das mulheres a fidelidade aos companheiros faz com que elas formem filas para as visitas na frente de presídios masculinos , o mesmo não ocorre na porta da Feminina — como as detentas chamam o Conjunto Penal Feminino.
Das 164 presas, apenas 26 mulheres recebem visita íntima, segundo dados da direção do Conjunto. Desse total, 11 são de mulheres cujos maridos estão em liberdade; 12 delas são visitadas por seus companheiros também presos. Outras três recebem as mulheres com quem mantém relacionamento.
Às terças e quintas, a visita íntima ocorre na unidade, em quatro celas. Lá, duas horas é o tempo determinado para a duração do encontro, que vai das 9h às 11h e das 13h às 15h.
Para elas, o direito a visita íntima foi regulamentado pela primeira vez em 1999. Naquele ano, o Projeto de Lei 1.352 estabeleceu parâmetros sobre o direito à visitação, modificando a Lei de Execuções Penais, criada em 1984, e que era pouco específica sobre visita.
Já para os casais homossexuais, esse direito veio ainda mais tarde. No ano de 2011, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária publicou a resolução n°4, assegurando as relações homoafetivas dentro das prisões.
* Nomes foram trocados a pedido das fontes