Em 7 de setembro de 1922, o presidente Epitácio Pessoa leu um discurso sobre os feitos econômicos do país que milhares ouviram por autofalantes sem fios graças ao rádio, a forma revolucionária de comunicação que colocou a nação nos trilhos da modernidade.
O primeiro centenário de Independência do Brasil, em setembro de 1922, teve as dimensões e o requintes de preparo de uma Olimpíada. Ou mais que isso. Durante dois anos, o Rio de Janeiro, então Capital Federal, mudou seu traçado urbano para incentivar o “intercâmbio comercial entre as nações amigas”, segundo a imprensa da época, como Estados Unidos, Inglaterra, França e Itália, entre outras.
Por Gonçalo Junior no NEOFEED
Foram construídos prédios monumentais para abrigar estandes de 50 países e de todos os Estados brasileiros. Na sua primeira parte, em uma extensão inteiramente reta, foi organizada a Avenida das Nações, em que se alinham os palácios das representações estrangeiras. Ao final do trecho, feita a curva, o visitante se deparava com a magnifica praça ao ar livre em torno da qual foram erguidos os palácios brasileiros — que abrigaram mostras majestosas da riqueza do país “e de nossa capacidade de trabalho”.
Tudo fez parte da Exposição Internacional de 1922, que enfatizou ainda os progressos da indústria brasileira, com destaque para as mostras da Companhia América Fabril (RJ). Construtora das Máquinas de Fiar Independência; da Fábrica de Fiação e Tecidos Itacolomy (MG) e do Complexo Matarazzo (SP).
Os festejos visavam a atrair libras e dólares para o Brasil. Além de oferecer a potenciais compradores (importadores) os frutos da terra brasilis: minérios, madeira, produtos agrícolas e gado. Para inaugurar esse novo Brasil que o Presidente Epitácio Pessoa (1919-1922) queria vender no Centenário da Independência ao mundo, porém, faltava algo mais incrível e fantástico, algo de tecnologia revolucionária, que impressionasse a todos e apontasse para o futuro que se queria dar a uma nação ainda rural.
Alguém chamado Roquete Pinto – que se tornaria o pai do rádio no Brasil – teve a ideia de sugerir o uso do “radio-telefone” para ecoar simultaneamente a grandiosidade daquele evento. Tratava-se de uma invenção que fazia vozes e músicas chegarem à casa das pessoas por uma caixinha com alto-falante sem fios. Desde 1910, fazia-se experiências com esse meio no Brasil, mas ninguém tinha ido tão longe para realizar algo tão ambicioso. Tanto que aquele feito seria considerado a inauguração oficial do rádio no país.
Roquete Pinto cuidou de tudo para que o desconhecido meio fizesse parte da abertura da megaexposição. Tudo saiu perfeito. Na tarde do dia da grande festa, em 7 de setembro de 1922, enquanto se realizava um grande desfile no Campo de São Cristóvão, o discurso de Epitácio Pessoa (leia abaixo), que inaugurou o “certâmen” (evento demonstrativo), foi transmitido pelo serviço de “radiotelephone com alto-falantes”, cujo equipamento foi instalado pelas companhias americanas Westinghouse e Western Electric.
A novidade funcionou graças a um transmissor de 500 watts instalado no alto do Corcovado – onde seria construído o Cristo Redentor. Apenas 80 receptores espalhados em lugares públicos na capital, nas cidades fluminenses de Niterói e Petrópolis e em São Paulo acompanharam a transmissão experimental. À noite, foi radiada também pelos mesmos alto-falantes da Exposição, diretamente do Teatro Municipal, a ópera O Guarani, de Carlos Gomes.
A Exposição Internacional mobilizou o Rio de Janeiro por sete meses, até 23 de março de 1923. E encheu a cidade de turistas de todo o mundo, que lotavam os grandes hotéis. Eles puderam também tomar conhecimento das últimas novidades brasileiras em matéria de implementos industriais, como maquinário para produção farinha de trigo, que, com os “avanços de nossa técnica”, o país não precisava mais importar.
Vozes em ondas curtas
Em discurso gravado da década de 1950, Roquete Pinto lembrou: “Muito pouca gente se interessou pelas demonstrações experimentais de radiotelefonia, então realizadas pelas companhias norte-americanas na estação do Corcovado, na Praia Vermelha. Creio que a causa dessa falta de interesse foram os alto-falantes, posicionados em meio a um barulho infernal, com tudo distorcido, arranhando os ouvidos. Foi uma curiosidade, enfim, sem maiores consequências.”
Não foi bem assim. A semente estava plantada e sem volta. Apesar das duas transmissões no dia do Centenário da Independência, o início efetivo e regular do rádio ocorreu somente no ano seguinte, mais uma vez graças ao esforço de Roquette Pinto. Ele tentou convencer o governo a comprar os equipamentos da Westinghouse, que permitiram a transmissão experimental. A aquisição foi feita pela Academia Brasileira de Ciências, e assim entrou no ar, em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
Beatriz Roquete-Pinto na rádio Sociedade, 1923
Tanto essa como as demais primeiras emissoras eram “sociedades ou clubes” (Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, Rádio Clube do Brasil etc.) e pertenciam a uma elite econômica e cultural, que gostava de uma programação sofisticada, voltada para música erudita, conferências e palestras. Sem publicidade, sobreviviam da contribuição mensal de seus sócios. Enfim, eram semelhantes aos serviços de streaming de 2022.
Em 1932, o Decreto-Lei n° 21.111 autorizava a veiculação de propaganda através do rádio. O meio começou a se massificar para atingir e cativar o gosto da ascendente classe média urbana, para maior eficiência na venda das mensagens publicitárias. Surgiram as grandes emissoras, como Mayrink Veiga e Cruzeiro do Sul, das famílias Mayrink Veiga e Byngton, respectivamente, proprietárias de grandes casas comerciais e importadoras. E, também no Rio, da Rádio Philips do Brasil, dos holandeses fabricantes de aparelhos elétricos e rádios da mesma marca. Com elas, projetaram-se os primeiros astros da música popular, como Francisco Alves, Carmen Miranda, Mário Reis e Orlando Silva, entre outros.
Diversas empresas jornalísticas adquiriram emissoras. Nasceram, assim, as rádios Jornal do Brasil, Tupi (Diários Associados), em São Paulo e no Rio, todas instaladas nos anos de 1930. Outro marco importante foi a fundação, em 1936, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, do grupo A Noite, que se destacou por programas de auditório, comédias e rádios novelas. Líder de audiência entre o final dos anos 1930 e a primeira metade dos anos de 1950, gravava sua programação para transmitir em outras cidades brasileiras. FM e digital.
Em 1955, quando a TV já existia havia cinco anos, aconteceu a primeira transmissão experimental de rádio FM, pela Rádio Imprensa do Rio de Janeiro, extinta no final de 2000. As FMs só se estabeleceram de fato no final da década de 1970. Outro passo evolutivo veio em 2005, quando ocorreram no país as primeiras transmissões de rádio no sistema digital. Em 2021, a Rádio Cultura Brasil se tornou a primeira emissora em São Paulo a operar nessa frequência estendida.
A internet se tornou também uma ferramenta importante de transmissão. Permite, de certa forma, um retorno às origens do rádio. Montar uma web rádio se tornou algo fácil, com a vantagem de que não precisa se organizar em clubes ou associações. Cada um pode ter sua própria rádio. Hoje, 7 de setembro de 2022, cem anos depois da primeira transmissão oficial do rádio, é possível que sua simbologia tenha funcionado como um pulo do Brasil para os novos tempos. Para o bem e para o mal, pois foi bem explorado pela Ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas.
E pensar que, na virada para o século XX, a imprensa escreveu que os próximos cem anos seriam de marasmo e tédio, pois não havia mais o que ser inventado, depois da máquina a vapor, a fotografia, o cinema e as rotativas que revolucionaram a imprensa. E o que veio depois? Avião, submarino, rádio, televisão, penicilina, raio-X, bomba atômica, foguete que levou o homem à Lua, transplantes de órgãos e uma coisa chamada Internet.
Epitácio Pessoa fez um balanço do Brasil Na primeira transmissão oficial do rádio no país, acompanhado do Rei da Bélgica Alberto I e da Rainha Isabel, com antena instalada no alto do Corcovado, na tarde do esperado 7 de setembro, o Presidente Epitácio Pessoa falou de tudo, menos do próprio rádio como revolução da comunicação: “Os congressos científicos, históricos, artísticos e econômicos a que ides assistir, do mesmo modo que a Exposição, em que procurámos resumir alguns aspectos da nossa cultura intelectual e da produção das nossas terras e fabricas (…) bastarão para convencer-vos de que alguma cousa temos feito e muito poderemos ainda realizar para o futuro, depois deste passo tão difícil do primeiro centenário ‘de vida emancipada (…). [Em um século] passamos de 3 milhões para 30 milhões de habitantes; (…) o valor da nossa balança comercial cresceu na proporção de 20.000 para 1 milhão e hoje se expressa em 4 milhões de contos; (…) a extensão das nossas linhas férreas é de 30.000 quilômetros; (…) excede de 50 milhões a tonelagem dos navios que sulcam as águas dos nossos portos; (…) Contamos perto de 60.000 quilômetros de linhas telefônicas, 1.500 quilômetros de carris urbanos, talvez mais de 1 milhão de objetos de correspondência postal, cerca de 50.000 quilômetros de linhas telegráficas; (…) o valor dos nossos estabelecimentos rurais excede de 10 milhões e 500.000 contos; (…) Na pecuária, ocupamos o terceiro ou quarto lugar no mundo; (…) para a renda geral de 4.000 contos em 1823, temos agora a receita de quase 1 milhão de contos de réis, só para a União, sem incluir a dos Estados; (…) da instrução temos cuidado com o possível desvelo: de 1907 a 1920, o aumento dos cursos elevou-se de 72% e o de alunos de 85%, o que revela o esforço do país, nos últimos anos, pelo incremento da sua instrução (…).
Contamos cerca de 2.400 jornais e revistas, 650 associações cientificas, literárias e artísticas, 1.400 estabelecimentos de assistência, muitos milhares de sociedades de auxílio mútuo e caridade, e que a nossa última organização sanitária, talhada nos moldes mais adiantados, prepara a olhos vistos o fortalecimento da raça e o aumento da sua capacidade produtora. Do Rio de Janeiro de 1822 fizemos, durante o Império e principalmente na República, a cidade moderna que atualmente se honra de hospedar-vos, sem as epidemias dizimadoras, que eram com razão o terror do estrangeiro”.
FONTE: https://neofeed.com.br/blog/home/ha-100-anos-o-radio-trouxe-os-primeiros-ruidos-de-um-brasil-moderno/